sábado, 21 de janeiro de 2012

Angola: a terceira alternativa (4). Marcolino Moco, político e professor universitário


É preciso que se sublinhe: não é por mero capricho que defendemos essa ideia com toda a nossa energia. É que sabemos por factos passados e presentes que sem isso não é possível manter uma sociedade pacífica e de forma sustentada.

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O papel do Presidente da República em funções
Uma dessas saídas possíveis é que, enquanto ainda lhe sobra algum prestígio e capacidade de manobra, o actual Presidente em funções ultrapasse certos complexos adquiridos durante o longo consulado de 32 anos de poderes efectivos (e ultimamente quase de dimensão ilimitada) ou mesmo determinados aspectos do seu próprio carácter pessoal, para se colocar acima dos seus interesses pessoais e de família, bem como do seu próprio partido (se é que ainda sobraram alguns) para assumir o papel de principal agente de devolução do poder ao(s) povo(s) de Angola. Seria mais fácil, na nossa opinião, para mobilizar e dar credibilidade a esse processo, que o Presidente transformasse o Conselho da República numa estrutura de apoio para a realização dessa tarefa ou que criasse um órgão alternativo que, pela sua autoridade moral e representatividade, conferisse essa credibilidade.
Essa tarefa tem de passar necessariamente pelos seguintes aspectos essenciais:
-promover um debate nacional, o mais possível despersonalizado e despartidarizado, para a clarificação de uma agenda nacional sobre a conclusão do processo transicional assente nos princípios universalmente reconhecidos como indispensáveis para o estabelecimento de Estados progressivos e de paz sustentável, já que neste momento funcionamos na base de uma agenda aparentemente secreta e pessoal ou de grupo minoritário, e por isso potenciadora de desconfianças que podem redundar em situações de conflito.
-naquele âmbito, elaborar, nem que sejam algumas linhas mestras (já que não sobrará muito tempo para pormenores, tendo em conta a aproximação das eleições de 2012) de um compromisso solene de todos os actores relevantes e representativos da sociedade angolana, no sentido de construirmos, sem discriminações abertas ou disfarçadas, um Estado de boa governação, aberta e transparente, onde os direitos fundamentais, o respeito à propriedade pública e ao património histórico-cultural sejam realmente matéria encarada com toda a seriedade.
O actual Presidente da República em funções terá certamente dificuldades acrescidas, porque a maior parte dos aspectos problemáticos a resolver neste contexto afectam-no directa ou indirectamente. No entanto, não vemos uma saída alternativa, em que ele próprio se saia de forma airosa, tanto que pelo cansaço de tantas adversidades desde a independência do país, há ainda uma grande predisposição de franjas importantes da sociedade, incluindo partidos políticos, que estariam dispostas a colaborar nesta empreitada, mesmo quando certos sectores começam já a extremar posições.
Eventual papel construtivo do MPLA
Outro agente relevante que em alternativa ou em conjugação com os esforços a desenvolver no sentido acima exposto pelo actual Presidente da República, é o próprio partido actualmente maioritário (MPLA), hoje por hoje remetido essencialmente ao papel de escudo defensivo das excentricidades cometidas pelo grupo a volta do poder presidencial, mas que continua a ser uma marca de grande peso na sociedade, sendo o único partido capaz de garantir a unidade política de todos os sectores da sociedade angolana, na sua complexa diversidade. Por iniciativa dos seus mais prestigiados dirigentes, o MPLA deveria sacudir-se das grilhetas em que está amarrado, para retomar o papel de líder da mudança que se impõe, sem temer de nenhum modo o seu futuro como organização histórica e marcante da História de Angola.
O problema é que a defesa do prestígio de uma organização política da importância do MPLA não pode de ser feita, de modo algum, à custa da subserviência ou subordinação de todos os outros agentes político-partidários que devem disputar consigo o poder, dentro de princípios éticos mínimos, condição essencial para a garantia de uma sociedade de justiça e paz sustentáveis. Enquanto membros da direcção do MPLA, foi sempre esta posição que defendemos com toda a energia, dentro das estruturas da organização, como pode ser atestado por testemunhas vivas.
É de algum modo entendível que, como partido no poder, em situação de profunda fragilidade da sociedade civil (esta verdadeira salvaguarda do poder soberano dos povos) os membros dirigentes e de base no MPLA se sintam de certo modo extasiados, para aproveitar até ao máximo as benesses desse poder. O problema é que o presidente do partido, aproveitando a sua qualidade de Presidente da República nunca legitimado pelo voto popular, em tempo de democracia moderna, tem levado a organização a níveis tais de perversidade que está já nos limites do aceitável, colocando em perigo a sua própria história, trazendo-nos facilmente à memória lembranças como as do MPR de Mobutu ou os recentes destinos dos partidos de Mubarak do Egipto ou Ben Ali da Tunísia.
Nós não temos a mínima dúvida que a persistir este ambiente de “pessoalização” do MPLA, com falsas aclamações ditadas pela salvaguarda de benesses passageiras, o MPLA corre o risco de, mais cedo ou mais tarde, desaparecer do cenário político de Angola, nas piores circunstâncias que poderiam acontecer para todos os sectores da sociedade política angolana. Não estamos a falar da simples perda de eleições, que para nós seria de encarar com toda a normalidade, como tem acontecido um pouco por toda a parte. Estamos a falar de situações semelhantes ou piores que as que observamos hoje no mundo árabe e muçulmano.
Não é possível que alguém que pense com alguma objectividade e independência no futuro do MPLA nestes tempos da História da Humanidade, esteja de acordo com a colagem do Engº José Eduardo dos Santos ao destino eleitoral desse partido da maior grandeza e responsabilidade histórica. Não acreditamos nisso de modo algum. E esperamos que este equívoco seja ultrapassado quanto mais cedo melhor.
É verdade que há problemas complexos a resolver, mas não vemos alternativas, se queremos acabar bem ou ao menos deixarmos um legado a altura das nossas responsabilidades e da nossa capacidade de liderança política.
Uma reflexão atenta sobre as particularidades de Angola, no contexto da luta de libertação assumida pelo MPLA, leva-nos a observar que, sem descorar a questão da personalidade de diversa índole dos seus dirigentes históricos ao longo das diversas fases da sua existência, elas (essas particularidades) foram determinadas pela sua localização geopolítica estratégica e pelo carácter prioritário dado por Salazar ao seu projecto de “portugalização” desse território.
Provavelmente, o Presidente e os seus homens ainda não se deram conta que, com as devidas adaptações, estão a seguir a mesma teimosia salazarista ao decidirem-se tão animadamente pela “eduardização” de Angola, transportando para o recentíssimo XXI métodos passadistas dos anos 50 e 60, cuja validade já se vem perdendo desde os anos 70 do século passado. Há que ressaltar, para acentuar a preocupação, que a Salazar e Caetano não estava associado, de modo algum, a imagem degradante de corrupção e do carácter corruptivo do regime actual em Angola. E o MPLA, completamente renovado desde há 20 anos, está a ser atrelado a esta imagem desastrada e desastrosa de que se tem de livrar o mais rapidamente possível, nos marcos de uma acção enérgica, embora moderada e pacífica, enquanto isso for possível.
Mesmo como partido dominante que poderá ser por longo tempo, à semelhança dos seus congéneres continentais como o ANC, a SWAPO ou a FRELIMO, o MPLA só poderá continuar a ser útil a Angola se, como aqueles outros partidos, passar a impor a alternância interna como algo normal; se se articular ao funcionamento de um sistema moderno de Estado que elimine, quase que automaticamente, os factores negativos que surgem com toda naturalidade e a todo o momento; se abandonar a obsoleta faceta do culto gratuito e despropositado ao líder dito clarividente, de cujos gestos exclusivos têm de partir todas as iniciativas importantes e de cujo estilo tudo tem de se ajustar.
O papel dos partidos de oposição (antes, durante e depois das eleições de 2012)
Já se acreditou no papel que os partidos políticos da oposição poderiam jogar, e agora de forma pacífica, para a reposição do sistema democrático pervertido em Angola. Com a assinatura de paz de 2002, logo a seguir a morte em combate de Jonas Savimbi, líder histórico e carismático dessa organização, pelos sinais iniciais dados pelos seus novos dirigentes, julgou-se que se entrava numa nova era. Numa altura em que a persistência em antigas condutas se mostraram claramente contraproducentes até para os próprios protagonistas.
Ledo engano. Não tardou que tanto a UNITA, assim como outros partidos com assento no parlamento, como resultado ainda das longínquas eleições de 1992, enveredassem pelo jogo do curtíssimo prazo, arrastados provavelmente pelas ciladas do chamado “maioritário”.
Pode dizer-se aqui, mutatis mutandis, que é da própria natureza dos partidos políticos agirem dessa maneira, pois o seu objectivo primordial é a tomada do poder total ou parcial. Porém, pensamos nós, que tanto a História da Humanidade em geral, como especialmente a própria curta mas amargurada História de Angola ensinam-nos que enquanto não se estabelecer, algum dia, no plano material (se plano formal se poderia considerar a própria Constituição, não fosse o autoritarismo como foi aprovada com as perversões da constituição política nela incorporada) uma agenda verdadeiramente nacional, nenhuma entidade ou outra componente qualquer nacional poderá usufruir sossegadamente das benesses do poder.
O drama de Angola é que desde que se conhece como futura e actual nação moderna, nunca teve oportunidade de munir-se com uma agenda verdadeiramente nacional, com a abrangência que exigiria um Estado multirracial, multiétnico, multirregional e, em suma, multicultural; tornado nos últimos 20 anos também multipartidário. Sejamos claros. Se consideramos que as nações modernas africanas especialmente ao Sul do Saara, nascem com a elaboração do principio da ocupação colonial efectiva, a partir da Conferência de Berlim de 1885, ou mais concretamente ainda, com as últimas guerras coloniais de ocupação que só terminaram nas primeiras décadas do século XX, temos que Angola teve é uma agenda colonial até 1975; uma agenda ideológica unilateral do MPLA até 1991/92; uma agenda nacional tão efémera que nem conta para a História, durante talvez alguns meses nos subsequentes anos 90; para acabar actualmente, especialmente a partir de 2002, e com a actual constituição política, numa agenda pessoal do Eng. José Eduardo dos Santos[1].
É no contexto desse raciocínio que pensamos que, nas circunstâncias actuais de Angola, cada partido político da oposição individualmente e em conjunto com os restantes, enquanto o MPLA, mobilizado pelo seu actual líder, se recusar a devolver a verdadeira soberania ao(s) povo(s) de Angola, devia empenhar-se na luta pela elaboração formal e material de uma verdadeira agenda nacional, restando apenas encontrar o melhor mecanismo para o fazer.
É perfeitamente esperável que se argumente que o sistema sufoca a oposição de modo inusitado, particularmente através da manipulação da comunicação social, sem falar do uso e abuso dos recursos económicos e financeiros do país. Mas aqui estamos mais uma vez perante a história de saber quem vem primeiro: o ovo ou a galinha. Para nós sempre se mostrou simples concluir que primeiro vem a galinha, sendo ela que põe os ovos e não o contrário. E nessa nossa equação metafórica, não temos dúvidas que a galinha é a agenda nacional. Crie-se, seja de que maneira que se imagine, uma agenda nacional, e logo, mais cedo ou mais tarde se acabam os abusos e antinacionalismos a que assistimos, quase impávida e serenamente, com o risco de amanhã o disco ser retomado por algum novo suposto ganhador.
Diferentemente do MPLA que − por razões da sua própria história e especialmente agora, pela sua condição de partido no poder, num momento de acumulação do capital à custa de saque quase generalizado do património colectivo − atrai à sua volta os mais diversos sectores da sociedade angolana; a quase totalidade dos partidos de oposição parlamentar ou extra parlamentar, emergem aparentemente, de franjas parcelares da sociedade. Contrariamente a uma ideia subliminar e por vezes mesmo ostensiva de que isso representa um aspecto negativo, até porque, também aparentemente, contraria o sentido de unidade nacional formalmente plasmado na constituição histórica da Angola, nós consideramos isso, no plano material, algo enriquecedor do nosso espectro político e reflexo positivo da nossa diversidade étnica, cultural e regional. A necessidade de diversidade partidária étnico-regional pode ser tão essencial quanto o partido governante prepondera com uma filosofia marcada e materialmente baseada num centralismo estalinista.
Por isso, é com apreensão que vemos os esforços (que nem sequer são velados) do regime em banir, a todo o custo, os partidos tradicionais de origem bacongo como aconteceu com o PDP-ANA no processo dos restos das eleições legislativas passadas, e com a histórica FNLA a finar-se no âmbito de uma disputa pessoal sem grande sentido.
Até aqui o PRS tem-se mostrado um pequeno baluarte, no espectro político angolano, na representação das populações espoliadas e praticamente abandonadas do Leste Angola, não obstante o contributo histórico dado à luta de libertação nacional, em torno de todos os então chamados movimentos de libertação nacional. Esperamos que o PRS não sucumba aos estímulos de destruição que, por vezes, se vislumbram e que os membros da sua direcção não caiam nas armadilhas da personalização das organizações políticas tão peculiar a quase todos partidos políticos angolanos, à imagem e semelhança do partido no poder.
Entre os partidos extra parlamentares, destaque vai, sem dúvida para o BD, como herdeiro das tradições do aguerrido FPD, representativo de sectores importantes da intelectualidade urbana, cujos esforços de tentativa de banimento contra si não passam despercebidos a ninguém. Sabe-se que se trata de ensaiar o silenciamento para sempre, da tradição que vem de elementos que desde os primórdios da luta de libertação nacional adoptaram sempre posições de vanguarda na defesa de uma democracia pluralista, no seio do MPLA, como os irmãos e primos Pinto de Andrade.

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