sábado, 21 de janeiro de 2012

Angola: a terceira alternativa (5). Marcolino Moco, político e professor universitário


Refiramos também o recém constituído PP (Partido Popular) que se destaca aparentemente a partir do hinterland Luanda-Malange, o que conjugado com os esforços dos chamados POC´s, pode atenuar a ideia falsa, e diríamos mesmo subversiva de que quem não está com a clique no poder, é contra o MPLA e por isso necessariamente contra os povos quimbundo e crioulos.

www.marcolinomoco.com

O que é indesmentível é que esses povos são tão vítimas dos excessos e excentricidades desse regime anómalo, que a si mesmo se intitula de “atípico”, quanto acontece com os outros diversos povos de Angola, como já o assinalámos acima.
Last but not least, aludiremos ao papel fundamental que a UNITA pode jogar hoje no regresso a construção de uma sociedade angolana aberta e liberta, pelo que ela representa como segunda marca, depois do MPLA, no espectro político-partidário, não fosse ela, actualmente, o maior partido da oposição.
Emanação praticamente assumida e reconhecida do maior grupo étnico de Angola – os povos umbundo – com as novas direcções e após o acordo de paz de 2002 a UNITA já não deve ser encarada como “inimigo” mobilizador dos também chamados “ovimbundu” contra outros povos e sensibilidades de Angola. Persistir nessa ideia, como por vezes parece vislumbrar-se de alguns comportamentos ingénuos ou mal-intencionados, só pode contribuir para o rebuscar de ressentimentos que bem podiam ser agora enterrados para sempre.
O nosso desejo, por outro lado é que a UNITA, seja qual for a sua direcção, num esforço que deve ser feito como o temos referido, para despersonalizar as nossas organizações políticas, ajude no sentido de consolidar esse entendimento de que ela não é, de nenhum modo, um inimigo de morte para nenhum grupo social do nosso país.
A partir desta plataforma, a UNITA poderia liderar a oposição político-partidária, não apenas com o objectivo eleitoral de carácter imediato, mas sobretudo para contribuir para a elaboração da referida verdadeira agenda nacional.
Como antes o referimos, essa agenda é um pressuposto essencial para a existência de uma Angola onde, com todas as nossas diferenças, e sem temê-las de debaixo de tabus e estereótipos disfarçados, nos possamos sentir irmanados num Estado pacífico, porque justo e preocupado essencialmente com o seu elemento humano, independentemente dos grupos de diversa natureza a que pertençamos.
Contudo, as próximas eleições de 2012 poderiam constituir-se num tubo de ensaio dessa cooperação activa e positiva. Com efeito, poderia conseguir-se uma importante mais-valia se, formal ou materialmente coligados, os partidos da oposição obtivessem um resultado eleitoral que, pelo menos, atenuasse a supremacia esmagadora de um MPLA completamente empurrado para a iniquidade, pela sua actual direcção.
Por isso não podemos senão nos congratularmos quando, na Assembleia Nacional, no âmbito da aprovação do chamado pacote eleitoral, vemos os partidos políticos da oposição a tentar trabalhar em conjunto para impedir as manobras de consolidação de uma hegemonia diabólica que poderia ser mantida ou quiçá reforçada, nas anunciadas eleições de 2012. Simplesmente, achamos que haverá muito mais em que se trabalhar em conjunto, para se atenuar uma série de aspectos que poderão estar já a antecipar uma descarada fraude eleitoral, que a acontecer nessa dimensão, será mais um elemento negativo no sentido de fortificarmos o edifício de uma paz sustentada e sustentável, com reflexos positivos para o desenvolvimento humano e material em Angola.
O papel dos elementos da elite angolana em sectores importantes da vida nacional
Mais do que central, é o papel que deverão jogar as elites do país de todos os quadrantes sociais, nos diversos domínios da vida nacional, nessa luta pacífica de regresso à construção da Angola verdadeiramente democrática.
Temos dito, já há vários anos, porque assim o acreditamos depois de várias fases de acção política e reflexiva, em que reconhecemos equívocos e desacertos pessoais, que hoje por hoje não há modelo que se possa apresentar como alternativo à democracia avançada, concebida nos seus aspectos mais gerais no chamado Século das Luzes, no chamado Ocidente, após vários anos de maturação.
No entanto, não é difícil reconhecer também que este modelo, pelo seu carácter demasiado formal, nem sempre encontrou facilidade de aplicação directa nos países do chamado terceiro mundo no qual nos inserimos como Estado da África Subsaariana. Aliás, está a vista de todos que este carácter demasiado formal de representatividade da soberania popular começa a mostrar-se desajustado ao mundo actual.
Estamos convencidos que as mudanças de dimensão exponencial que tem tido lugar, e da forma geometricamente acelerada como acontecem, exigem uma revisão estratégica do modelo do Século das Luzes, não fossem as crises cada vez mais acentuadas no próprio Ocidente a atestá-lo todos os dias nos últimos tempos.
É daí que releva a importância das elites nacionais, que têm por obrigação, porque se supõem capazes e dotadas de qualidades para o efeito, para a todo o momento, e independentemente das funções exercidas pelos seus elementos, velarem pela elaboração, aplicação e adaptação das regras de harmonização da sociedade. Não se tratará de um acto de caridade para com ninguém. É que sociedades desregradas e tomadas pela arbitrariedade e pela contumácia acabam sempre por não beneficiar ninguém. E as elites de cada sociedade pelo seu alto nível de consciência social serão sempre as maiores vítimas dos eventos negativos.
A persistência do regime que temos estado a descrever, em que um MPLA completamente manietado pela “entourge” presidencial, exigindo-lhe uma adulação para lá dos limites, tende a criar um mainstream segundo o qual só pertence a elite angolana quem se ajustar a esses desígnios discriminatórios e “elitistas”, no sentido negativo.
Assim, para se pertencer a elite angolana, no quadro deste conceito perverso, tem que se pertencer ao partido dito maioritário, enquadrando-se nas suas organizações de massas como a JMPLA, a OMA e nos chamados comités de especialidade ou de locais de residência.
A volta desses comités utilizam-se expressões tão inusitadas nas práticas de Estados democráticos e de direito, como (comité dos) jornalistas do MPLA, juristas do MPLA, economistas do MPLA, quiçá arquitectos ou engenheiros do MPLA, empresários do MPLA, escritores do MPLA e daí por adiante (irónica ou seriamente já se fala em religiosos do MPLA!). Nada haveria de anormal se isso não aparecesse como um acintoso sistema de discriminação estadualizado. Numa situação em que os meios de comunicação social de mais amplo espectro estão descaradamente manipulados pelo poder, durante anos e anos de persistência desse poder, só indivíduos assim enquadrados e tornados meros reprodutores do pensamento dito “clarividente”, é que podem ver as suas intervenções objectivamente referenciadas ao nível nacional.
É uma situação de verdadeiro apartheid no sistema de comunicação, que apenas é atenuado, e de forma bem controlada, com a necessidade de alimentar aparências. É verdade que esta é uma situação que parece naturalmente herdada do sistema de partido único que alguns julgam dever perdoar-se. O problema é que em Angola, entre outras situações, vive-se, neste particular, uma situação bastante retardatária, se comparados a outros Estados, que praticamente na mesma altura, ou até mais tarde, partiram para a adopção de regimes de democracia pluralista, depois da persistência de regimes monopartidários.
A elite de uma sociedade, especialmente a de um país africano com grande peso de tradições autóctones diversas e de diversa proveniência, que devem ser todas consideradas para o bem da harmonia nacional, não pode ser medida pela pertença a uma única camada seja de que carácter for, muito menos pela aproximação ao partido que estiver no poder, cuja permanência em Estados democráticos e de direito tem de se considerar sempre temporariamente circunscrita. A elite de uma sociedade democrática deve ser medida pela sua capacidade de contribuição livre, acutilante e contraditória na elaboração do pensamento e das boas práticas nacionais, nos marcos da tolerância e do respeito mútuos.
Nada mais triste e confrangedor, por exemplo, quando perante despejos sem qualquer mandado judicial, requintados com demolições de uma desumanidade inimaginável no sistema de partido-único ou mesmo no período colonial, ouvimos juristas, investidos em funções de magistratura, nos virem dizer que “está tudo certo porque são orientações superiores do camarada chefe”!
Estamos a beira do ano 20 depois de 1992! Que triste quando mal se ouvem os murmúrios de jornalistas cujas entrevistas a entidades diversas são deitadas no caixote do lixo, contra todos os direitos e deveres que lhes são prescritos na constituição e nas leis ordinárias, com o argumento falacioso ou no mínimo ignorante, de que como funcionários de órgãos públicos e privados obedecem a ordens superiores!
A elite angolana, como aqui a definimos, deve romper este espartilho que lhe é imposto vergonhosamente, num país proclamado democrático e de direito, porque tem de cumprir a sua missão irrenunciável.
Para além da renúncia que se impõe a essa espécie de submissão incongruente e adormecente nos sectores fundamentais para a consolidação da democracia como na Justiça e na Comunicação Social, as elites angolanas em todos os outros sectores da vida nacional devem tomar consciência que a conivência com um conjunto de incorrecções que são inteligentemente geridas de cima, para a perpetuação do actual regime não beneficiará ninguém. É que diferentemente dos demais animais, o ser humano não circunscreve os objectivos da sua acção ao momento presente. Como ser social, a acção humana releva para além dos anos da sua vida respirada, rebuscando-se no passado e projectando-se no futuro. Mas, mesmo que propendamos para o egoísmo como geração actual, é preciso despertar para o facto de que nos dias de hoje, a velocidade dos acontecimentos é de tal forma notável que muitos dos nossos facilitismos podem recair negativamente sobre nós, muito mais cedo do que possamos pensar. Aliás estão presentes os exemplos em que o próprio regime se vai encarregando de encomendar processos claramente injustos contra os seus melhores servidores.
Por tudo isso, dissemos que recai grande responsabilidade sobre as elites em que os mais velhos devem abandonar o seu conformismo e os mais novos devem assumir as suas responsabilidades como donos potenciais do futuro.
Nos sucessivos governos de Angola, todos eles dirigidos pelo Eng. José Eduardo dos Santos, há mais de 32 ininterruptos anos – sendo hoje um dos dois mais antigos líderes africanos nestas condições – várias gerações de elementos da elite intelectual angolana de toda a proveniência têm sido utilizadas, aparentemente, sem resultados satisfatórios para a governação do país. Nós próprios podemos contribuir para a análise desta situação com alguma propriedade porque passamos por essa experiência, nas mais altas funções governativas. Desde logo rejeitamos a ideia peregrina de que essa situação resulta de uma característica específica dos quadros angolanos que seriam por natureza incompetentes e ou propensos a caírem na poça da corrupção.
Nós não temos a mínima dúvida de que os resultados negativos deste tipo de governação permanente, que poderemos ter tolerado durante o período em que a prioridade era a guerra para a qual se encaminhavam quase todos os recursos, já atingiram os limites do tolerável.
Referimo-nos concretamente a situação de uma governação em que todos os recursos e todas as decisões fundamentais são detidos pelo Chefe de Estado e de Governo, incluindo os recursos e as decisões de carácter provincial e local; chefe que reivindica todos os resultados positivos para si (onde não deixam de se incluir inaugurações em torno da sua data de nascimento), quando os aspectos negativos são atirados para as costas de agentes do Estado central e local desprovidos de autoridade decisória e de recursos adequados. Agora mesmo, acabamos de saber de mais uma prenda envenenada que se oferece aos angolanos pelo Natal, com a exoneração da Ministra da Energia, para ser apresentada como a culpada do desastre energético que Angola vive. Quem está atento pode ver facilmente que esta situação deriva de políticas autocráticas, em que constantemente se surpreende toda a gente e todas as instituições nacionais com a construção, por exemplo, das chamadas centralidades e um aeroporto (que será o maior da zona SADC ou da África? não o sabemos bem); ontem, para desviar a atenção de uma discussão transparente na aprovação de uma nova constituição, a projecção inusitada de um CAN, com a construção de estádios de futebol grandiosos, hoje, praticamente sem grande utilidade, ao lado de uma cidade capital entupida, e outras cidades e vilas sem água e sem luz, com o centro e arredores envolto em fumos de geradores daqueles que os podem adquirir.
Vai-se ouvindo que alguns quadros técnicos, e não só, começam agora a rejeitar a oferta de lugares neste tipo de governação. Só podemos encorajar essas atitudes.
O exercício de funções governativas é uma oportunidade que em princípio não devia ser enjeitada. Ela pode dar-nos a possibilidade de nos promover pessoalmente ao mesmo tempo que nos permite dar o melhor de nós à sociedade em que emergimos. Porém, nas condições de Angola, urge questionar energicamente essa forma de queimar inutilmente sucessivas fornadas de governantes, em que, uma vez ou outra, alguns são repescados em função da necessidade de lavagem política de uma mesma imagem, há mais de 32 anos, enquanto fenece um país sob uma falsa aura de crescimento económico.

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